sexta-feira, 11 de maio de 2018

QUEM MAIS PRECISA MAIS ATENÇÃO MERECE

Nota Pastoral do Bispo de Aveiro 


Legalizar a eutanásia é um retrocesso civilizacional

O Parlamento propõe-se discutir e legalizar a eutanásia, em Portugal

O que deveria estar a discutir-se seriam os modos de atuar para minorar o sofrimento e a dor de quem está perante o limite e a fragilidade. A eutanásia, enquanto antecipação da morte, não poderá, de modo algum, considerar-se uma resposta humanamente adequada. Ela significa abandono, desistência e incapacidade de responder com o cuidado humanizado em favor de quem se encontra em situação de debilidade.
A experiência dos países que legalizaram a eutanásia e onde o efeito de rampa deslizante é visível, seja nos números, seja nos motivos invocados para a sua prática, demonstra o erro de colocar ao abrigo da lei uma prática que não acrescenta humanidade aos serviços de saúde, mas que os marca, de forma indelével, com a morte e a desistência perante o sofrimento.
O número de mortes associadas à eutanásia e ao suicídio assistido aumentou nos países em que tais práticas foram legalizadas.
A legalização da eutanásia afigura-se como um sinal contraditório e um retrocesso da nossa civilização. Em várias civilizações antigas, como na Grécia e em Roma, a eutanásia era praticada e só com o novo humanismo nascido com o cristianismo a valorização e a defesa da vida humana se foi afirmando nas sociedades desenvolvidas. Todo este património corre o risco de se perder nos tempos atuais.

A vida humana é inviolável


O artigo 24 da Constituição da República Portuguesa é, nesta matéria, de uma clareza que não deixa ambiguidades: «a vida humana é inviolável». Muitos são os que recordam que os constituintes de 1976 tiveram o cuidado de evitar formulações ambíguas que, por exemplo, preconizassem que «o cidadão tem direito à vida». A formulação encontrada «a vida humana é inviolável» vinca que, antes de qualquer condição de cidadania, está a vida humana a qual, em virtude da sua dignidade, é inviolável.
Depois de legalizada, a eutanásia torna-se um horizonte que atinge todos aqueles que, um dia, venham a necessitar dos cuidados de saúde. Não apenas como uma possibilidade, mas como uma tentação: a de eliminar quem passasse a sentir-se como um peso para si próprio e para os demais. O Estado de direito é e deve continuar a ser o garante de que não deixaremos de cuidar uns dos outros, mesmo quando desistir do outro ou de si pudesse parecer a solução mais fácil, mas, neste caso, a mais desumana. Diminuir a sua dor, com os métodos eficazes hoje sobejamente testados e reconhecidos, assegurar cuidados paliativos, melhorar os serviços de cuidados continuados, promover políticas que favoreçam a criação do estatuto do cuidador, etc., são as vias ainda tão escassamente percorridas, mas a discutir com urgência.

A vida como dom e doação

A discussão sobre a legalização da eutanásia não é matéria de natureza religiosa ou sequer de matriz partidária. É matéria de humanidade. É matéria que diz respeito ao nosso modo de nos entendermos como seres sociais, interdependentes, solidários ou, simplesmente, como meros indivíduos, indiferentes aos demais. A eutanásia é a escolha de uma ideia de sociedade em que cada um não se pensa como alguém em relação com os demais, mas fechado sobre si mesmo. A cultura do cuidado não pode desistir, perante tal visão.
Para os cristãos, para quem a vida é dom, perante o sofrimento só faz sentido a doação. Desistir, dando a morte, é a recusa de que dos outros poderemos esperar o amor. Uma sociedade que deixe de amar não pode continuar a crescer em humanidade e atenção aos outros, sobretudo aos que mais sofrem.
Na semana de 13 a 20 de maio celebramos a semana da vida. Peço que durante este tempo se difunda por toda a Diocese, paróquias e outras instituições o folheto publicado recentemente com as perguntas e as respostas sobre a eutanásia. Queremos apenas esclarecer questões que se prendem com a vida e o seu final, formar a nossa consciência e assumir os nossos compromissos sociais e políticos de forma responsável e livre.
A todos aqueles que têm o Evangelho como fonte de inspiração para o seu agir em sociedade, incluindo os nossos deputados e os que se preocupam com a causa pública, não se esqueçam de colocar a vida como a fonte primeira do bem comum. O Papa Francisco afirma na sua encíclica Louvado sejas: «Tendo em conta que o ser humano também é uma criatura deste mundo, que tem direito a viver e ser feliz e, além disso, possui uma dignidade especial, não podemos deixar de considerar os efeitos da degradação ambiental, do modelo atual de desenvolvimento e da cultura do descarte sobre a vida das pessoas» (n. 43).
Uma sociedade será tanto mais moderna e avançada quanto melhor cuidar dos seus elementos mais vulneráveis, criando leis e normas que impeçam o mais forte de exercer o seu poder sobre o mais fraco.

Aveiro, 11 de maio de 2018

António Manuel Moiteiro Ramos, bispo de Aveiro

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