sexta-feira, 17 de julho de 2020

Haja o que houver

Crónica por António Rego
no Correio da Manhã



"O belo é aquilo que recorda Deus, que O revela e comunica, e a beleza é o mundo comunicado pelo espírito que revela Deus". Vi isto há pouco quando repassava páginas sem saber o que queria.
Era aqui que devia estar, repetir, aprofundar e deixar longe o bulício do mundo estéril que sufoca tantas respirações que são sinais do Divino. Só serenando o espírito mergulhamos neste oceano, onde como pequena vaga Deus passa.
Lá fora os pássaros na sua euforia e as pequenas folhas das árvores no seu leve adejar dão sinal de que o mundo não acabou. E nós julgando que perdemos tempo quando as fábricas se desfazem em ruidosas rotações. É o mundo,  a vida, o trabalho, o tempo como um relógio que não dá sossego ao arfar de cada ser que luta pela vida. É bom ir à janela e observar a pequena agitação de grandes braços de árvores que se espreguiçam em silêncio diante dos muros graníticos que apenas testemunham o nascer e declinar cada dia, deixando apenas alguns ramos caídos para aqueles que nunca olham para o alto. Eis uma actividade inerte de aparência mas que regista o rodar de séculos e milénios. É uma história, um testemunho de vida sem arrogância que jamais renuncia à sua altitude mas se torna em lição do que é erguer-se sempre, haja as tempestades que houver.
Há momentos em que tocamos aquela verdade indesejável que consiste em não sermos senhores de
nada. É apenas uma ilusão pois há imensas coisas que não estão nas nossas mãos, inclusive valores, pessoas. O nosso comunicar é uma escola que faz discípulos, quer queiramos quer não. Por isso, nada do que dizemos ou fazemos se pode considerar indiferente.
Gosto de visitar pormenores de vidas daqueles a quem chamamos santos. Não é a sua imagem ou o seu porte que por vezes nada têm a ver com o nosso tempo. Mas o espírito que se escondia em cada um dos seus gestos ou das suas palavras. São traduções do Evangelho que assim ficam mais próximos de nós.

António Rego

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