segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Georgino Rocha — A Alegria do Casal no dia-a-dia

VIVER A ALIANÇA REFEITA
A ALEGRIA DO CASAL NO DIA-A-DIA


“Só quem não conhece a fragilidade humana, designadamente na relação conjugal, é que se admira do número crescente de divórcios e separações entre os recasados ou situações similares”, diz-me um colega versado na pastoral familiar, em tom de leve censura a quem vem a público mostrar a sua estranheza. Sinto-me atingido também e apresento-lhe algumas razões subjacentes a este facto.

Lembro a experiência inicial da relação, certamente feliz, o sonho lindo de que essa experiência seja definitiva, a capacidade de superar divergências de opinião, a paciência adquirida com a tolerância de momento, a abertura ao outro e ao seu bem maior, a geração e educação dos filhos, quando os há, as expectativas dos pais, a promessa de amor mútuo feita no registo civil e o selo sacramental da celebração na Igreja e a aprendizagem de saber lidar com o insucesso ocorrente.

À medida que ia enumerando factores positivos, dava conta que o meu amigo se distanciava psicologicamente de mim, chegando mesmo a interromper-me e a mostrar outras razões. Traz à conversa a fragilidade de toda a opção humana, especialmente quando envolve a decisão livre de outra pessoa, a verdade do casamento assente no conhecimento consciente do que está em causa, a instabilidade emocional fomentada pelo ambiente sociocultural e profissional, a precariedade da aliança assumida, para não mencionar, diz-me, o significado do matrimónio cristão como casar na Igreja que nos faz testemunhas singulares do amor de Deus. E conclui: Sem aptidão comprovada para realizar actos humanos, não existe a verdade do casamento, ainda que se realizem cerimónias de “partir” o coração e os amigos vibrem de alegria.

Enquanto falava, lancei a memória para o baú de recordações da minha vida pastoral e surgiram os diálogos com noivos no atendimento paroquial e nos cursos de preparação para o matrimónio, os jovens à procura da opção de vida, sobretudo nos movimentos de apostolado e no centro universitário, as pessoas com crises de relacionamento conjugal, o testemunho de casais felizes no meio da turbulência ocorrida, e tantos outros. Fixei-me na mensagem colhida na rede virtual e que se relaciona com pessoas conhecidas. Surpreendidas pelo cancro da esposa, renovam as suas promessas de doação mútua, recordam a sua decisão de serem um do outro “nas horas de alegria e de tristeza” e garantem o apoio incondicional, citando a canção do grupo Madredeus “estou aqui, haja o que houver… Eu sei, eu sei quem és para mim”.

Estive presente no seu casamento civil realizado numa quinta de lavrador. Presidiu à cerimónia a delegada do Notário, função que desempenhou muito bem. Na altura da entrega das alianças, noto um burburinho entre as amigas da noiva. Dou conta que há surpresa perturbadora. A delegada faz observações “críticas” à aliança da noiva por não satisfazer os requisitos devidos. E, entretanto, procura-se uma saída airosa. Dizia a delegada: a aliança deve ser circular, lisa e cómoda. Sem adornos. Vale por si. Pois quer transmitir que a opção dos noivos feita no tempo é para sempre; que a decisão não tem condições, é transparente; que o casamento, como vida a dois, gera uma nova confiança e apoio, e faz convergir o seu olhar no mesmo foco: a felicidade comum. Gostei sinceramente da explicação. E concordo.

As Equipas de Nossa Senhora apresentam como guia de reuniões para 2017/18 o opúsculo intitulado “A missão do Amor”. Belo texto que, repetidamente, traz o apelo do Papa Francisco para que este movimento ponha ao serviço dos divorciados recasados a riqueza do seu carisma e da sua experiência. E relembra experiências em curso que estimulam a novas ousadias. E como as equipas, outros grupos e serviços sentem a urgência desta causa.  Tudo leva a crer que chegou a hora de uma resposta organizada e mobilizadora. É a Igreja que está em saída missionária.

A aventura do casal em segundas núpcias diz respeito especialmente aos cônjuges. São eles que no dia-a-dia tecem a trama da harmonia procurada, da mútua doação, do reconhecimento das legítimas e enriquecedoras diferenças, da progressividade nos passos a dar para a maturidade desejada. Mas a comunidade eclesial tem a missão de acolher, encorajar, acompanhar, discernir e integrar. O meio mais adequado será sempre a presença amiga e o testemunho solícito de quem vive a realidade matrimonial. E o apelo de “A Alegria do Amor” urge uma resposta efectiva e acessível. 

Georgino Rocha

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