VIVER A ALIANÇA REFEITA
A ALEGRIA DO CASAL NO DIA-A-DIA
“Só
quem não conhece a fragilidade humana, designadamente na relação
conjugal, é que se admira
do número crescente de divórcios e separações entre os recasados ou
situações similares”, diz-me um colega versado na pastoral familiar, em
tom de leve censura a quem vem a público mostrar a sua estranheza.
Sinto-me atingido também e apresento-lhe algumas
razões subjacentes a este facto.
Lembro
a experiência inicial da relação, certamente feliz, o sonho lindo de
que essa experiência
seja definitiva, a capacidade de superar divergências de opinião, a
paciência adquirida com a tolerância de momento, a abertura ao outro e
ao seu bem maior, a geração e educação dos filhos, quando os há, as
expectativas dos pais, a promessa de amor mútuo feita
no registo civil e o selo sacramental da celebração na Igreja e a
aprendizagem de saber lidar com o insucesso ocorrente.
À
medida que ia enumerando factores positivos, dava conta que o meu amigo
se distanciava psicologicamente
de mim, chegando mesmo a interromper-me e a mostrar outras razões. Traz
à conversa a fragilidade de toda a opção humana, especialmente quando
envolve a decisão livre de outra pessoa, a verdade do casamento assente
no conhecimento consciente do que está em
causa, a instabilidade emocional fomentada pelo ambiente sociocultural e
profissional, a precariedade da aliança assumida, para não mencionar,
diz-me, o significado do matrimónio cristão como casar na Igreja que nos
faz testemunhas singulares do amor de Deus.
E conclui: Sem aptidão comprovada para realizar actos humanos, não
existe a verdade do casamento, ainda que se realizem cerimónias de
“partir” o coração e os amigos vibrem de alegria.
Enquanto
falava, lancei a memória para o baú de recordações da minha vida
pastoral e surgiram
os diálogos com noivos no atendimento paroquial e nos cursos de
preparação para o matrimónio, os jovens à procura da opção de vida,
sobretudo nos movimentos de apostolado e no centro universitário, as
pessoas com crises de relacionamento conjugal, o testemunho
de casais felizes no meio da turbulência ocorrida, e tantos outros.
Fixei-me na mensagem colhida na rede virtual e que se relaciona com
pessoas conhecidas. Surpreendidas pelo cancro da esposa, renovam as suas
promessas de doação mútua, recordam a sua decisão
de serem um do outro “nas horas de alegria e de tristeza” e garantem o
apoio incondicional, citando a canção do grupo Madredeus “estou aqui,
haja o que houver… Eu sei, eu sei quem és para mim”.
Estive
presente no seu casamento civil realizado numa quinta de lavrador.
Presidiu à cerimónia
a delegada do Notário, função que desempenhou muito bem. Na altura da
entrega das alianças, noto um burburinho entre as amigas da noiva. Dou
conta que há surpresa perturbadora. A delegada faz observações
“críticas” à aliança da noiva por não satisfazer os
requisitos devidos. E, entretanto, procura-se uma saída airosa. Dizia a
delegada: a aliança deve ser circular, lisa e cómoda. Sem adornos. Vale
por si. Pois quer transmitir que a opção dos noivos feita no tempo é
para sempre; que a decisão não tem condições,
é transparente; que o casamento, como vida a dois, gera uma nova
confiança e apoio, e faz convergir o seu olhar no mesmo foco: a
felicidade comum. Gostei sinceramente da explicação. E concordo.
As
Equipas de Nossa Senhora apresentam como guia de reuniões para 2017/18 o
opúsculo intitulado
“A missão do Amor”. Belo texto que, repetidamente, traz o apelo do Papa
Francisco para que este movimento ponha ao serviço dos divorciados
recasados a riqueza do seu carisma e da sua experiência. E relembra
experiências em curso que estimulam a novas ousadias.
E como as equipas, outros grupos e serviços sentem a urgência desta
causa. Tudo leva a crer que chegou a hora de uma resposta organizada e
mobilizadora. É a Igreja que está em saída missionária.
A
aventura do casal em segundas núpcias diz respeito especialmente aos
cônjuges. São eles que
no dia-a-dia tecem a trama da harmonia procurada, da mútua doação, do
reconhecimento das legítimas e enriquecedoras diferenças, da
progressividade nos passos a dar para a maturidade desejada. Mas a
comunidade eclesial tem a missão de acolher, encorajar, acompanhar,
discernir e integrar. O meio mais adequado será sempre a presença amiga
e o testemunho solícito de quem vive a realidade matrimonial. E o apelo
de “A Alegria do Amor” urge uma resposta efectiva e acessível.
Georgino Rocha
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