Reflexão de Georgino Rocha
Jesus dá esta resposta aos discípulos que, condoídos pelo cansaço e pela fome da multidão, querem ver-se livres dela enviando-a para as aldeias mais próximas. É uma resposta de envolvimento directo na busca de soluções e uma denúncia clara de quem quer afastar problemas de consciência. É uma resposta de provocação pois era deserto o local onde estavam e muito exíguas as provisões. É uma resposta promissora de novas realidades que Jesus queria aproveitar para desvendar e confiar aos que iriam continuar a sua missão. Lc 9, 11b-17.
A multidão encantada e ávida dos ensinamentos de Jesus, segue-O incondicionalmente. Os discípulos ansiosos, recém-chegados da primeira experiência apostólica, solidarizam-se com esta gente e confiam nas capacidades já demonstradas pelo Mestre. O próprio Herodes, segundo a narrativa de Lucas, manifesta o desejo de ver e ouvir Jesus. O ambiente social torna-se propício ao Nazareno, e a sua fama honrada vai crescendo e despertando energias adormecidas e expectativas adiadas. É neste contexto que a narrativa de Lucas apresenta o Evangelho da Festa do Corpo de Deus.
A propósito desta festa, o Missal Popular afirma: “A Igreja de coração inundado ainda pelas alegrias pascais e no fervor do Espírito Santo, dá largas ao seu entusiasmo para celebrar numa atmosfera de louvor e de exultação espiritual o Mistério da presença amorosa e operante de Cristo no meio dos homens”. Celebração que reveste muitas formas: da Eucaristia em assembleia dominical à reserva no Sacrário, da adoração do Santíssimo Sacramento à procissão solene nas ruas, da festa da primeira comunhão ao Viático (a quem está na fase terminal da vida terrena).
Lucas, o narrador do relato, adianta um pormenor significativo. O entusiasmo vivido pelos acompanhantes de Jesus contrasta com a realidade ameaçadora pois “o dia começa a declinar”. E depois? Com o declínio do dia, vem a noite propícia a medos e infortúnios. Os discípulos, inquietos, querem prever uma saída e evitar a confusão. Vão ter com o Mestre que os responsabiliza pela busca de solução.
Jesus não se alheia das situações nem da procura de respostas, mas envolve-nos, conta connosco e com as nossas capacidades. A multiplicação dos pães constitui uma autêntica lição de acção consertada. Todos fazem alguma coisa: O rapazinho do farnel cede-o a pedido de André. Jesus toma o pão, abençoa-o, parte-o em pedaços, reparte-os pelos discípulos e encarrega-os de os distribuírem. A multidão deixa-se organizar em grupos/pequenas comunidades e recebe a parte que é entregue a cada um. Fica saciada e, ainda, sobra pão que deve ser recolhido e levado a quem precisar. O rapazinho do farnel e André são o rosto de tantos jovens e das suas capacidades.
«Queridos jovens, declara o Papa Francisco no final do documento do Sínodo que lhes é dedicado, ficarei feliz vendo-vos correr mais rápido do que os lentos e medrosos. Correi «atraídos por aquele Rosto tão amado, que adoramos na sagrada Eucaristia e reconhecemos na carne do irmão que sofre. O Espírito Santo vos impulsione nesta corrida para a frente. A Igreja precisa do vosso ímpeto, das vossas intuições, da vossa fé. Nós temos necessidade disto! E quando chegardes aonde nós ainda não chegamos, tende a paciência de esperar por nós».
A narrativa da comunidade de Lucas tem como matriz a ceia de despedida que Jesus realizou com os seus amigos, antes de começar a série de episódios que haviam de levá-lo à morte no calvário, antecâmara da ressurreição. Constitui o “coração” da Eucaristia, agora celebrada pelas comunidades cristãs, em Igreja. É maravilha a contemplar e tesouro a descobrir ao longo dos tempos, sobretudo da vida de cada um de nós. Maravilha que nos convida e atrai para captarmos o seu sentido profundo, assumirmos o espírito de entrega e de serviço, saborearmos o amor de doação incondicional, crescermos em disponibilidade e confiança até à entrega total, simbolizada no pão frágil e no vinho escasso que, por força do Espírito Santo, vão ser “corpo entregue e o sangue derramado por um mundo novo”.
E com a acção concertada de todos, as inúmeras fomes das multidões serão saciadas. Haverá alegria e satisfação. Renascerá a esperança que vence todas as crises da noite. Erguer-se-á a mesa comum da fraternidade, onde cada um tem lugar e companhia. Começará a despontar uma sociedade nova que reflecte, à maneira de espelho, a maravilha irradiante da Eucaristia, por meio do apreço pela vida entregue ao serviço de todos, sobretudo dos empobrecidos e espoliados da sua dignidade. Enfim a fome de humanidade será saciada e todos nós faremos a festa da comunhão da fraternidade no Corpo de Cristo, o Filho de Deus. Ámen!
Georgino Rocha
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