Cada vez me sinto mais entusiasmado com o silêncio. Numa ida à livraria, pesquisando pelos livros de religião, esoterismo ou desenvolvimento pessoal, facilmente se percebe que é um tema de moda. Retiros, yoga, meditação, propostas de orações, etc., etc. Para os cristãos, o silêncio não é a perceção de uma ausência, como se o vazio da mente fosse uma meta desejável, mas é antes a contemplação de uma Presença. O silêncio torna-nos conscientes de que há uma ‘vida interior’, que o coração se faz ouvir e que o devemos escutar porque aí radica a nossa originalidade como cristãos que percebem e pressentem a habitação de Deus em cada um. No silêncio não ‘sou-sozinho’, como se de um ente solitário se tratasse,mas sinto uma comunhão silenciosa com o Universo, com a Natureza, com Deus e com os Outros.
A Tradição cristã sempre valorizou o silêncio. Vemo-lo a partir da experiência de Jesus, mas também na procura da Igreja nascente. Sempre foram surgindo homens e mulheres buscadores do silêncio através da meditação e da contemplação. As comunidades monásticas, os eremitas, os padres e madres do deserto. A busca pelo silêncio ultrapassa a simples procura do silêncio dos lugares sossegados, mas é a exploração que fazemos de nós próprios… e de Deus em nós. Tolentino Mendonça diz que o silêncio é “uma disciplina do coração”, um lugar de luta, de procura e de espera. Por isso, a meditação pode ser vista como uma escola de vida, de participação rotineira e regular, uma escola onde aprendo a escuta e confiança.
Entrega. Abandono. Confiança. São talvez as três atitudes que, pela meditação, a nossa vida vai adquirindo. A meditação cristã molda-nos ainda na atenção vigilante e cultiva no nosso coração a dádiva de vida. Este é, talvez, o nosso grande património meditativo: não medito para estar apenas bem comigo e com o ambiente que me circunda, mas para cultivar atitudes que me moldam, em Cristo, na dádiva de nós. E o melhor que podemos dar é o Deus que nos habita, naquilo que sou e naquilo que tenho.
Mesmo antes da Palavra, no princípio era o Silêncio. Talvez por isso, quando nos adentramos no silêncio, há uma pacificação e uma passividade que nos confortam. No silêncio, existe o princípio criador de Deus que inunda o vazio do universo e, por isso, no silêncio também nos sintonizamos com toda a Criação. O silêncio não é uma mera procura técnica para facilitar a meditação ou criar clima de oração. O silêncio é, em si, oração de comunhão. Deus fala tanto pela Palavra como pelo Silêncio. Mesmo quando, na Bíblia, Deus não responde, Deus fala. O silêncio que Jesus procurava precede todas as palavras e toda a Palavra.
Deus é Silêncio. O silêncio não é Deus, mas também nos manifesta o ser-de-Deus. Talvez o silêncio nos exprima melhor Deus, não cria barreiras nem limites lexicais, não exige interpretações ou semânticas. O silêncio não se compra. Num tempo em que se procura cada vez mais, ter mais, o silêncio revela algo absolutamente simples de Deus: a Sua pura e absoluta gratuidade. No silêncio todos podem entrar em Deus e em Comunhão com todos e com tudo. Por isso, no princípio também era a Palavra, porque ela dá ser, forma e conteúdo ao silêncio. E a Palavra também era Deus.
João Alves é padre católico da diocese de Aveiro e pároco da paróquia da Vera-Cruz
Li em 7Margens
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