quinta-feira, 20 de maio de 2021

A Princesa

Túmulo de Santa Joana no Museu de Aveiro


Mons. João Gaspar
É nosso dever recordar os que, de uma forma ou de outra, colaboraram singularmente no engrandecimento das nossas terras e no bem-estar das pessoas e da sociedade. Aveiro terá sempre uma dívida de gratidão para com muitos dos seus antepassados... e entre eles conta-se, sem sombra de dúvida, a Princesa D. Joana. Nasceu em Lisboa no dia 06 de fevereiro de 1452, sendo os seus pais el-rei D. Afonso V e a rainha D. Isabel. A Princesa foi crescendo num ambiente de cultura e de religiosidade, não sem deixar de manifestar, desde novita, a sua propensão para o claustro, apesar da não-concordância do irmão, D. João II. Por isso, seguiu tal teor de vida, vindo para o Mosteiro de Jesus de Aveiro - «a sua Lisboa, a pequena». Foi no dia 30 de julho de 1472 que ela, chegou à então vila de Aveiro, para aqui viver, morrer e ficar sepultada. A presença de Santa Joana em Aveiro, marcou profundamente a vida e a história desta povoação. Refere-se o seu interesse pelos aveirenses, que extravasou das paredes do Mosteiro de Jesus, concretizado em diversas oportunidades. Por conseguinte, não é de admirar que, logo após as exéquias da sua morte em 12 de maio de 1490, grande parte da assistência continuasse na igreja de Jesus, «dando vozes de muita miséria e dor; e cada um tanto mais quanto conhecia e sentia a sua dor e orfandade e desamparo ser maior».
Permanece entre nós a memória do seu edificante exemplo, a qual transparece do artístico mausoléu, de mármores embutidos e polícromos, que guarda os seus restos mortais, desde 1711. Se em vida foi considerada pelas autoridades e pelo povo de Aveiro como sua protetora, ela continuaria a ser invocada como celeste advogada junto de Deus; em 1693 o papa Inocêncio XII beatificou- -a, confirmando o seu culto. Na sucessão dos séculos, essa veneração acentuar-se-ia cada vez mais. A Edilidade aveirense fez do dia aniversário da sua o feriado municipal; e o papa Paulo VI, sabendo desta devoção secular, ultrapassou as normas habituais da Igreja por não ser canonizada e, em 1965, confirmou-a oficialmente como padroeira da Cidade e da Diocese de Aveiro.
Embora de aparência débil, Santa Joana era, no entanto, dotada de fortaleza e de energia. Para defender a sua vocação e a sua liberdade, ergueu-se inflexível, mas serena, e mostrou-se perseverante na decisão tomada, disposta a sustentá-la até ao fim, surgisse o que surgisse. Se se pretendesse definir a vida da Princesa, dir-se-ia que foi uma luta constante entre o imperativo da sua consciência e a razão de Estado.
Consequentemente, como poderíamos nós ser insensíveis perante esta senhora, que desejou ser e se fez aveirense, mesmo depois da morte; «quero ficar sepultada no meio de vós, para vos lembrardes de mim; eu também me lembrarei de vós ao Senhor Deus após a morte, no lugar onde estiver» - garantiu-nos ela umas horas antes do falecimento. De facto, ela foi uma singular e inesquecível aveirense.
Conservam-se cuidadosamente no Museu de Santa Joana os dois manuscritos - o "Memorial" e a "Crónica" - que foram redigidos entre 1495 e 1525 por uma ou mais das suas contemporâneas no Mosteiro de Jesus. Aqui e agora, eu manifesto a minha congratulação pessoal pela edição em português atual do dois textos, levada a efeito por iniciativa do nosso Bispo, que teve a colaboração de diversas pessoas, também elas interessadas neste trabalho.

João Gaspar
Padre e historiador 

NB: Publicado no "Correio do Vouga"

1 comentário:

  1. A minha mãe que era uma fervorosa devota de Santa Joana, costumava contar a seguinte lenda:
    Porque seu pai el-rei D. Afonso V não a queria freira, certo dia mandou a Aveiro os seus cavaleiros, para levarem a Princesa de volta à corte. Então a Princesa para não ser reconhecida pelos cavaleiros, trocou os seus olhos pelos de São Domingos, o patrono da atual Sé Catedral. E assim, escapou ser levada de volta e por cá ficou até hoje!...

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