Recentemente, no final da missa dominical das 10h30, o nosso prior, Pe. César Fernandes, chamou a Dona Esperança Merendeiro para junto de si, na capela-mor, o que a terá surpreendido. Felicitou-a, então, pelo seu 90.º aniversário, apontando-a como merecedora das nossas felicitações pela sua dedicação à Igreja e às pessoas. O povo, que bem a conhece, cantou os “Parabéns a você”, aplaudindo-a com expressiva alegria. E daí nasceu a vontade de a entrevistar, nesta fase da sua longa vida de entrega à comunidade, com o seu sorriso aberto e franco. Texto de Fernando Martins.
Esperança Merendeiro é natural da Gafanha da Nazaré, filha de uma família de 11 filhos, dos quais sobreviveram sete que os pais criaram num ambiente de trabalho e educação religiosa. Frequentou pouco tempo a escola primária, que não concluiu por não ser obrigatória para as meninas e porque os pais precisavam dela para o muito trabalho que tinham em casa. Mais tarde, teve a oportunidade de passar a viver com um tio, pároco da Murtosa, o Pe. João Maria Carlos. Aliás, ela teve três tios padres, o já citado e José Maria e o Manuel Maria.
Na Murtosa, conheceu uma professora que se tornou muito sua amiga, Maria José, e que a incitou a fazer o exame da 3.ª classe, preparando-a para isso. «Disseram na altura que eu fiz um exame brilhante... de tal modo que a professora logo me desafiou para fazer o exame da 4.ª classe de adulta, o que fiz com a sua ajuda... foi a minha sorte, porque depois pude concorrer para funcionária do Estado», disse.
Entretanto, seu tio faleceu, muito novo, e ela resolveu inscrever-se para empregada da Escola da Cambeia, teria uns 36 anos, onde se manteve até à aposentação. Ao falar da Escola, não escondeu a alegria que sempre a animou de conviver com crianças e seus pais, mas também com as professoras e professores, que sempre respeitou, recebendo de todos provas de amizade e estima. «Eu sentia que as crianças, famílias e professores gostavam muito de mim, como eu gostava deles», frisou.
Casada e sem filhos, porém sem marido, que se ausentou para o Brasil, a Dona Esperança teve uma vida muito ativa. Viveu no sítio onde nasceu e viveram os seus pais, onde se manteve, e ali vive ainda ao lado da irmã Rosa, também mãe de 11 filhos, presentemente viúva de Manuel Casqueira, os quais constituíram um casal que os gafanhões apreciaram pelo testemunho de amor e fé que transmitiram aos filhos e netos.
A nossa entrevistada não se limitou a trabalhar na escola. Deu “doutrina”, como à época se dizia, em sua casa, a cerca de 40 crianças, ano após ano. Era conhecida por Senhora Mestra e desse tempo recorda, com saudade, a tarefa de educar para a fé muitas dezenas de crianças. Nos princípios dessa missão paroquial, os catequizandos ficavam sentados no chão e mais tarde em bancos de madeira, cada um para três crianças, feitos pelo seu cunhado Manuel Casqueira.
Posteriormente, a Igreja foi-se adaptando a normas diferentes e a catequese, com outra forma de organização e novos métodos de sensibilizar para o seguimento de Jesus Cristo, passou a ser feita em salas da igreja matriz. E a Dona Esperança adaptou-se e passou a catequista, sob a orientação dos priores da Gafanha da Nazaré.
Paralelamente, trabalhava em casa num tear, que aprendeu a manejar na Murtosa. Fazia passadeiras e mantas por encomenda. «As pessoas faziam as tiras, aos serões, de roupas velhas ou fora de uso, juntando as escuras, para passadeiras, e as mais claras, para mantas», sublinhou.
Na mesma freguesia, aprendeu a cozinhar, arte que cultivou com esmero, o que lhe abriu as portas para bodas de casamentos. Tornou-se famosa e, por isso, foi muito requisitada na Gafanha da Nazaré e arredores. E por desafio nosso, ditou-nos uma boda tradicional:
Sopa a abrir; cozido à portuguesa como prato principal; prato de carneiro assado no forno que não podia faltar; mais tarde veio o prato de peixe com base no bacalhau ou caldeirada de enguias. A aletria era obrigatória, entre outros doces, com destaque para o Bolo da Noiva. Tudo bem regado com vinhos a condizer com as posses.
Os lavradores cevavam o porco, criavam galos e galinhas e até chegavam a engordar um vitelo para a boda.
Esperança Merendeiro ainda militou na Ação Católica, JOCF (Juventude Operária Católica Feminina) e LOCF (Liga Operária Católica Feminina), onde aprendeu a refletir e a agir em conformidade, na defesa da justiça e dignificação dos trabalhadores, tendo em conta a Doutrina Social da Igreja.
Fernando Martins
NOTA: Entrevista publicada no jornal TIMONEIRO de março.
NOTA: Entrevista publicada no jornal TIMONEIRO de março.
Boa noite, Professor.
ResponderEliminarChamaram-me para ler o artigo, através das redes sociais, que (perdoe a imodéstia) é neste género de assuntos que se tornam verdadeiramente naquilo em que são designadas.
Os seus trabalhos mantêm um sentido pedagógico humanista muito digno e exemplar. Afinal, as pessoas que amamos são o que de melhor há neste mundo.
Aceite a nossa gratidão pela S/ iniciativa. Tudo o que fizermos pela memória dos nossos serve para criar comunidade. Porque há pessoas que a todos pertencem, porque foi assim que escolheram viver.
Obrigado!